O calor escaldante do domingo de repente se transforma numa brisa refrescante de fim de tarde, o que deixa o fim desse dia, por si só triste, ainda mais melancólico. O vizinho ouve Satie e o gato preto dorme despreocupadamente em um dos compartimentos da estante. A quietude desse fim de tarde só não incomoda mais que a campainha que toca e o cachorro que se atiça. O pôr do sol de domingo trás consigo o desespero de uma semana que mais uma vez se inicia. Em algumas horas estaremos na segunda-feira. Todos os monstros dos miseráveis que não se sentem em casa em sua rotina se personificam nesse dia e por isso o entardecer do domingo se transforma na própria angústia. O ciclo do tempo zera e começa desgraçadamente a ser contado novamente. A solidão se personifica e o silêncio faz qualquer barulho na cozinha. O tempo nos aprisiona como uma roda aprisiona um hamster. Quando se deixa a casa e se vai verificar a rua, é possível ver a vida, a bordo da carroceria de uma camionete, que desaparece no horizonte abanando as mãos. Vida e cotidiano se afastam em sentidos contrários e por alguma razão o cotidiano nos arrasta – ou seguimos, não está claro. Somente está claro que, assim como a vida, o domingo se vai na mesma velocidade com que a vida sumiu no horizonte.

Ele sempre buscou algo. Era uma busca por instinto. Buscava por sentir que devia buscar, pois, em seu íntimo, sempre houve a impressão de lhe faltar algo. Sua mãe dizia que era falta de uma esposa ‘direita’ que pudesse lhe dar filhos (e, claro, netos a ela). Na tese de seu pai, o que lhe faltava era um emprego melhor, com um salário melhor. Já seus amigos acreditavam que lhe faltavam mais sextas-feiras na vida, para beber mais  e esquecer mais.

Ele, porém, não queria esquecer. Sua vontade era encontrar.  Encontrar aquilo que tinha a sensação de ter perdido. Mas não sabia nem por onde começar a procurar, posto que não sabia o que tinha perdido.

Resolveu então seguir os conselhos alheios. Namorou sério uma, duas, três moças, mas a incompletude e a solidão não desapareceram. Depois namorou não tão sério e, mesmo assim, a sensação não deu trégua. Não casou, como sua mãe apetecia, por achar que isso já era demais. Mudou, também, três vezes de emprego. E até que no último deles o salário era, deveras,  melhor. Mesmo assim, não conseguiu calar a voz que dizia que era preciso continuar procurando. Testou, também, a hipótese dos amigos. Decidiu, então, aumentar suas sextas, fazendo de suas quartas, sextas. E até que, por uns tempos, o álcool pareceu ter substituído aquilo que tinha a sensação de ter perdido. Mas foi provisório. Logo a sensação voltou a falar mais alto.

Um dia por acaso leu alguma coisa de Schopenhauer e descobriu ser a vida dor e sofrimento. Quis saber mais e foi atrás da obra desse filósofo que parecia lhe conhecer tão bem. Mergulhou, então, nas leituras do filósofo alemão, da mesma forma que afundava-se nas cadeiras dos botecos da cidade. E por um tempo, da mesma forma que o álcool, Schopenhauer pareceu ser aquilo que tinha a sensação de ter perdido. Mas não era. Decepcionou-se com Arthur (como preferia chamá-lo) e o abandou definitivamente, quando descobriu que seu niilismo era, deveras, niilismo.

Persistiu, no entanto,  na busca. Procurou o padre. Este lhe garantiu ser Deus aquilo que tinha a sensação de estar procurando. Decidiu-se por acompanhar o padre numa jornada espiritual. Rezou, rezou e nada. O padre percebendo entregou-lhe as confissões de Agostinho. Ele, então, entregou-se com afinco à leitura. Mas não viu muita diferença metafísica entre o Deus de Agostinho e os chocolates das Americanas.

Por fim, tentou entrar para um mosteiro budista.  Entretanto, foi difícil esperar cair a noite do primeiro dia para de lá sair correndo.

Tentou de tudo: amor, religião, filosofias, chocolates, mas nada parecia corresponder àquilo que tinha sensação de ter perdido e que não sabia o que era; e quando achou que deveria por fim à sua busca, encontrou o mar. Experimentou a brisa que vem dos oceanos tocar-lhe o corpo num inicio de noite e pôde pensar na vida, no caminho, nas pessoas e em si. Experimentou também o choro; as lágrimas confundirem-se com a água salgada do mar que a maré trazia. Experimentou, tendo o mar e o céu como testemunhas, a dor e o remorso. Experimentou reconciliar-se consigo e com o mundo, tendo o sol a despontar no horizonte. E finalmente sentiu que achara. Que finalmente havia encontrado o que procurava desde sempre: seu lugar ao sol, seu lugar no mundo, seu lugar.

Visitei ontem meu antigo curso na PUC. Fiquei impressionado com a quantidade de novos alunos. Eu, que cheguei a freqüentar disciplinas com 4 e 5 alunos matriculados, fico muito feliz com esse “ressurgimento das cinzas”. O curso passou por uma grave crise entre 2005 e 2010 (por motivos que desconheço), que talvez ainda não esteja superada, mas tudo indica que estão no caminho certo. Entretanto, talvez fosse preciso rever a estrutura curricular do curso, hoje organizada em módulos. Se tal estrutura permite uma renovação constante e afasta o fantasma do fechamento, na minha modesta opinião, também compromete a qualidade do conteúdo, no sentido que o aprofundamento nos problemas filosóficos fica comprometido pela presença constante de calouros. Mas, afinal, o que nesse mundo é perfeito?

Calor. Aula. Conteúdo difícil. Professor muito concentrado. Os alunos tensos, pedindo exemplos, não compreendendo o conteúdo. O professor se desdobrando em explicações. De repente aquele aluno caladinho que fica bem no centro da sala, que não tirou os olhos do professor desde o início da explicação, levanta o braço. O professor imagina que dali sairá uma luz, acontecerá um insight, a parusia, a volta de Jesus Cristo ou qualquer coisa do tipo. O professor dá a palavra para o aluno e ele diz: “Posso ir no banheiro?”

o corpo fala, transporta, edifica, rui, sela, entrega, suporta, rompe, sofre, sorri, chora….é gerúndio

Estou fascinado pelo movimento….o que é o presente se não o futuro tornado-se passado…o lapso dessa tranposição é o que chamamos presente.

Existência:  da excitação à angustia… do gozo ao desprazer… do eterno ao efêmero.

viver é mergulhar no absurdo ao ponto de sentir a pressão das profundezas dissiparem tua consciência e lógica. Estamos presos ao tempo, ao espaço, ao ser…

Não consegui postar aqui no blog com antecedência, mas essa semana apresentei uma comunicação sobre Nietzsche na semana de filosofia da UFG. O título é Nietzsche a crítica ao Estado Moderno e o resumo reproduzirei abaixo. Refiz o artigo umas cinco ou seis vezes após ter enviado o resumo, porém acredito que (o resumo) ainda continua coerente com o texto. Uma última coisa, uma tal de Araceli, inresponsável pela publicação do caderno de resumos, atribui ao meu texto o nome de outra pessoa . Mandei uns três e-mails reclamando, mas a dona, talvez por achar que não deva satisfação, resolveu ignorar. Fiquei bastante contrariado, mas além de amaldiçoá-la pelo resto da vida, não posso fazer nada.  Eis o resumo:

Resumo: A preocupação de Nietzsche com a cultura está presente também em seus escritos políticos. Para o filósofo, o Estado deve ser instrumento da cultura e, entre suas atribuições, está a função de promovê-la. Esse seria o principal motivo, pelo qual, não vê com bons olhos o Estado Moderno liberal, posto que esse, da forma que se encontra organizado, não é capaz de criar meios de produção de cultura, enfraquecendo, assim, a vida.

Nessa perspectiva, de crítica ao Estado Moderno, Nietzsche tece amplos elogios ao estado grego antigo, pois, através da arte trágica e de seu elemento catártico, conseguiram escoar seus instintos, isto é, a organização de estado grega foi capaz de construir uma alternativa a agressividade física inerente ao humano, a saber, a arte. Nesta sociedade, criar e manter a civilidade foi possível através do escoamento da agressividade nas guerras, nas quais se envolviam, e na ausência de tais conflitos, a tarefa de manter o mínimo de harmonia dentro da cidade deu-se pela invenção da arte trágica.

Ao analisar a organização política dos gregos antigos, Nietzsche entende que domínio, controle, exploração e violência são ímpetos humanos que não se desvinculam do agir político. O Estado seria a institucionalização de tais ímpetos e o mecanismo de sublimação. Nesses termos, o Estado como continuação dos ímpetos do homem é ‘inevitável’, visto que, o homem possui o que Nietzsche denomina n’O estado grego de ‘instinto de estado’. Para Nietzsche, os gregos conseguiram pensar e executar uma forma de governo na qual seus instintos naturais manifestavam-se livremente através das competições, rivalidades, lutas nos jogos atléticos, das manifestações artísticas e considerando mesmo ímpetos como rancor, inveja, ciúme, egoísmo, etc. como estímulos para o aprimoramento da civilização.

Com essa interpretação, o filósofo se distancia dos teóricos modernos que pregavam o Estado, puramente, como fruto da racionalidade humana. Nietzsche entende que não existe separação entre homem e natureza, para ele, o homem em suas mais altas e nobres capacidades é totalmente natureza.

As criticas de Nietzsche ao Estado Moderno se fundam, principalmente, no fato de que este existe em função de si mesmo, fazendo, assim, com que a vida política gire em torno da resolução de seus próprios problemas: o Estado Moderno forja-se em unção das suas satisfações mais urgentes, com vistas à manutenção da vida. As críticas do filósofo se fazem mais ácidas com relação aos pensadores iluministas, para quem, como pensadores da liberdade, são apenas niveladores, visto que vão contra a natureza humana ao pregar a máxima da ‘igualdade de direitos’. Ao teorizar sobre a igualdade dos homens, isto é, sobre o nivelamento dos homens, por meio do Estado Moderno liberal, os iluministas estão, atentando contra à humanidade, à natureza humana, posto que natureza humana, na filosofia nietzschiana, significa hierarquia, diversidade, pluralidade, diferença.

Exposição:


O que é a vertigem? O medo de cair? Mas por que sentimos vertigem num mirante cercado por uma balaustrada? A vert
igem não é o medo de cair, é outra coisa.  É a voz do vazio embaixo de nós, que nos atrai e nos envolve, é o desejo da queda do qual logo nos defendemos aterrorizados.

Milan Kundera

A vertigem é  desejo de cair que se dá, na medida em que toda a realidade da existência vem à tona ao mesmo tempo. O desencadeador é traiçoeiro, pois pode ser qualquer coisa: uma imagem, uma palavra, uma lembrança, uma situação, um sentimento… Ou, simplesmente, a ausência de tudo isso. Desse modo, também não é possível escapar à vertigem, visto que não é possível controlar os rumos da vida. Entretanto, isso não quer dizer que todos têm ou terão um dia vertigem.

Ela, a vertigem, é só para aqueles cuja existência é um fardo demasiadamente pesado para suas forças. É fato que a existência é um fardo para todos, porém há aqueles que são mais fracos. E não há embaraço nisso. Uns são mais fracos que outros por simples capricho da natureza. Quanto a isso, paro por aqui, ou, para ir adiante na tentativa de explicar a

disparidade humana por pura vontade da natureza, teria que apelar para qualquer coisa como a metafísica (shopenhaueriana).

Se pensarmos na vertigem, nesse desejo da queda, veremos que ela é a mais autentica personificação da vontade do nada, mesmo que inconsciente. Não é por acaso que o desejo é de ir ao chão. O chão personifica, de imediato, o desejo do nada. Ela é o mais próximo do que poderemos encontrar do, por assim dizer, ensaio para morte.

Como foi dito, depois de causada por um estopim qualquer, toda a realidade da existênci

a vêm à consciência, esse é o momento da visão plena de si e de tudo o que isso significa, da lucidez, o momento em que o homem transcende sua própria existência (pois só é possível ter clareza de algo, enxergar todas suas dimensões nos mínimos detalhes e contemplar a existência em sua completude, fora dela) e, por isso, é seguida pela tontura e apagões na vista, o desejo de cair. Isso porque o que há além da existência é o nada: é aí que o corpo pede o chão.

Achei isso por aí.  Dizem que é do Schopenhauer.

Ele sempre buscou algo. Era uma busca por instinto. Buscava por sentir que devia buscar, pois, em seu íntimo, sempre houve a impressão de lhe faltar algo. Sua mãe dizia que era falta de uma esposa ‘direita’ que pudesse lhe dar filhos (e, claro, netos a ela). Na tese de seu pai, o que lhe faltava era um emprego melhor, com um salário melhor. Já seus amigos acreditavam que lhe faltavam mais sextas-feiras na vida, para beber mais  e esquecer mais.

Ele, porém, não queria esquecer. Sua vontade era encontrar.  Encontrar aquilo que tinha a sensação de ter perdido. Mas não sabia nem por onde começar a procurar, posto que não sabia o que tinha perdido.

Resolveu então seguir os conselhos alheios. Namorou sério uma, duas, três moças, mas a incompletude e a solidão não desapareceram. Depois namorou não tão sério e, mesmo assim, a sensação não deu trégua. Não casou, como sua mãe apetecia, por achar que isso já era demais. Mudou, também, três vezes de emprego. E até que no último deles o salário era, deveras,  melhor. Mesmo assim, não conseguiu calar a voz que dizia que era preciso continuar procurando. Testou, também, a hipótese dos amigos. Decidiu, então, aumentar suas sextas, fazendo de suas quartas, sextas. E até que, por uns tempos, o álcool pareceu ter substituído aquilo que tinha a sensação de ter perdido. Mas foi provisório. Logo a sensação voltou a falar mais alto.

Um dia por acaso leu alguma coisa de Schopenhauer e descobriu ser a vida dor e sofrimento. Quis saber mais e foi atrás da obra desse filósofo que parecia lhe conhecer tão bem. Mergulhou, então, nas leituras do filósofo alemão, da mesma forma que afundava-se nas cadeiras dos botecos da cidade. E por um tempo, da mesma forma que o álcool, Schopenhauer pareceu ser aquilo que tinha a sensação de ter perdido. Mas não era. Decepcionou-se com Arthur (como preferia chamá-lo) e o abandou definitivamente, quando descobriu que seu niilismo era, deveras, niilismo.

Persistiu, no entanto,  na busca. Procurou o padre. Este lhe garantiu ser Deus aquilo que tinha a sensação de estar procurando. Decidiu-se por acompanhar o padre numa jornada espiritual. Rezou, rezou e nada. O padre percebendo entregou-lhe as confissões de Agostinho. Ele, então, entregou-se com afinco à leitura. Mas não viu muita diferença metafísica entre o Deus de Agostinho e os chocolates das Americanas.

Por fim, tentou entrar para um mosteiro budista.  Entretanto, foi difícil esperar cair a noite do primeiro dia para de lá sair correndo.

Tentou de tudo: amor, religião, filosofias, chocolates, mas nada parecia corresponder àquilo que tinha sensação de ter perdido e que não sabia o que era; e quando achou que deveria por fim à sua busca, encontrou o mar. Experimentou a brisa que vem dos oceanos tocar-lhe o corpo num inicio de noite e pôde pensar na vida, no caminho, nas pessoas e em si. Experimentou também o choro; as lágrimas confundirem-se com a água salgada do mar que a maré trazia. Experimentou, tendo o mar e o céu como testemunhas, a dor e o remorso. Experimentou reconciliar-se consigo e com o mundo, tendo o sol a despontar no horizonte. E finalmente sentiu que achara. Que finalmente havia encontrado o que procurava desde sempre: seu lugar ao sol, seu lugar no mundo, seu lugar.